INTEMPÉRIE
Intempérie
Fenômenos estéticos da mudança climática e da Antártida
Oi Futuro, Rio
[níveis 2, 4 e 5]
Abertura: 19 de janeiro de 2009, às 19h
Visitação pública: 20 de janeiro a 1º de março de 2009
Curadoria: Alfons Hug e Alberto Saraiva
Oi Futuro apresenta a exposição "Intempérie – Fenômenos estéticos da mudança climática e da Antártida", que reúne, em duas partes, obras contemporâneas que pesquisam a Antártida e a cor branca. Com curadoria de Alfons Hug, artistas de vários países estiveram na Antártida, o continente gelado, e produziram obras a respeito. São vídeo-instalações de Simon Faithfull (Inglaterra), Andrea Juan, Jorge e Lucy Orta (Argentina), Mireya e Mercedes Masó (Espanha), Lutz Fritsch, Frank Halbig (Alemanha), Guido van der Werve (Holanda), Thomas Mulcaire (África do Sul), Phil Dadson (Nova Zelândia) e Adriana Groisman (USA), e quatro fotografias do brasileiro Caio Reisewitz, no formato de 1mx1m cada. Este “capítulo” da exposição está nos níveis 2 e 4 do edifício.
No Nível 5, Alberto Saraiva, curador de artes visuais Oi Futuro, selecionou trabalhos que pesquisam a cor branca, e reuniu obras dos artistas brasileiros Zalinda Cartaxo, Márcio Botner, Marcos Abreu, Vicente de Mello, Paulo Climachauska e Tina Velho. Alberto Saraiva comenta que a cor branca era considerada uma não-cor pelos impressionistas, e que aos olhos de Kandinsky era um “muro frio e intransponível, indestrutível, tendendo ao infinito”, e um silêncio que subitamente poderia ser entendido. “É um nada jovial, ou melhor, um nada anterior ao início, anterior ao nascimento”. Tal como o cubo branco das modernas galerias de arte impiedosamente deixa à mostra, com sua absoluta neutralidade, as fraquezas de uma obra de arte, o espaço branco, nu, da Antártida, desnuda as deficiências da ação humana.
A mostra no Oi Futuro integra a “2ª Bienal do Fim do Mundo”, que acontece nos meses de abril e maio de 2009 em Ushuaia e El Calafate (Argentina), e na Antártida.
PECADOS AMBIENTAIS ORIGINAIS
Alfons Hug observa que apesar de já ter sido afetada pelos pecados ambientais originais do resto do mundo, a Antártida ainda se encontra em um estado de virgindade e superioridade. É a terra como era antes do pecado original e, talvez, a última grande promessa à humanidade depois que os trópicos perderam um pouco de sua harmonia paradisíaca.
Este ponto zero da cultura é perfeito para uma reflexão intelectual e artística sobre o mundo: vazio, quietude, isolamento, mas também pureza, clareza, paz, espiritualidade e desapego são algumas das categorias existenciais que poderiam ser temas de uma Antártida transcendental. Os artistas entram em ação aonde os cientistas e suas medições já não chegam, permitindo uma nova leitura, fresca, desse ponto nevrálgico da Terra.
ANTIGÜIDADE
Na Antigüidade, os filósofos acreditavam que, por questões de simetria, no Hemisfério Sul haveria um contrapeso à massa continental existente no Hemisfério Norte. Até mesmo nos mapas de Mercator, do século XVI, verifica-se a existência de um grande continente no sul (Terra Australis Incognita), tido como um paraíso tropical. A intensa busca pela Antártida no século XIX guiava-se pela convicção de que o contato com o fim do mundo traria novos conhecimentos à mente humana. Somente no ano de 1820, cada um por si, mas na mesma época, Fabian von Bellingshausen, capitão alemão do Báltico, a serviço dos russos, e Nathaniel Palmer, caçador de focas americano, descobriram o continente branco. Mas ainda havia outros contemporâneos de respeito, entre eles Edgar Allan Poe, que conservavam a superstição de que no Pólo Sul haveria uma abertura no globo por onde os viajantes poderiam chegar a um mundo mais civilizado, que se suspeitava existir sob a crosta terrestre.
Hoje em dia, trabalham na Antártida, nos seus cerca de 14 milhões de quilômetros quadrados que, somados, quase totalizam o tamanho do Brasil e da Europa juntos, quatro mil cientistas de todo o mundo – no inverno são apenas mil – distribuindo-se em 80 estações espalhadas pelo Continente para realizar suas pesquisas de fins pacíficos. O parco turismo ainda é ecologicamente aceitável.
Com o Tratado da Antártida (1959), que colocou “no gelo” qualquer pretensão à soberania territorial, produziu-se no auge da Guerra Fria um acordo exemplar que até hoje conserva importância fundamental na política internacional do meio ambiente e da paz.
Daí a Antártida ser o único continente em todo o mundo a desconhecer armas militares, exploração econômica e propriedade territorial; nem mesmo os abundantes recursos do solo podem ser extraídos: condições utópicas, portanto. Enquanto o resto do mundo é consumido por infindáveis conflitos, espoliação econômica e pretensões à propriedade de todos os tipos, a Antártida, esta clássica Terra de Ninguém, tem uma vocação mais elevada: não pertence a ninguém, portanto, é de todos.
Seus ciclos naturais estão, sem dúvida, intimamente entrelaçados com os nossos, e seu frágil ecossistema reage sensivelmente a distúrbios causados em outras partes do mundo. A Antártida funciona como um instrumento de avaliação da Terra. O escudo de gelo desta mítica região é como um grande arquivo onde está armazenada toda a história do clima mundial. A Antártida é o tempo congelado.
Serviço: Intempérie – Fenômenos estéticos da mudança climática e da Antártida
Abertura: 19 de janeiro de 2009, às 19h
Visitação pública: 20 de janeiro a 1º de março de 2009
Curadoria: Alfons Hug e Alberto Saraiva
Oi Futuro
Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo – Rio de Janeiro
De terça a domingo, das 11h às 20h. Entrada franca.
Informações: (21) 31313060
www.oifuturo.org.br
Assessoria de Comunicação do Oi Futuro: Marcio Batista / Maria Fernanda de Freitas
(21) 3131.3095 e 3131.1103
Mais informações: CW&A Comunicação
Claudia Noronha / Beatriz Caillaux / Marcos Noronha
21 2286.7926 / 3285.8687
claudia@cwea.com.br / beatriz@cwea.com.br /
marcos@cwea.com.br
Alfons Hug
Insolação e choque térmico
Os fenômenos estéticos da mudança climática
Calor é uma categoria tal qual sexo, cor ou êxtase: é como a própria arte. O calor – como também as outras forças citadas – nos faz perder a relação com o que se entende por realidade, e nos lança de volta ao próprio corpo; este, desde sempre, o termômetro mais confiável. Nas palavras de Michael Taussig, etnólogo americano, que nos fala da costa pacífica da Colômbia: o calor é “sonho e droga” ao mesmo tempo. Não surpreende que Bronislaw Malinowski, o pai da antropologia, só tenha sido capaz de suportar o calor mortal do reino dos Argonautas do Pacífico Ocidental amparado por generosas doses de morfina.
Talvez tenha sido o medo dessa ameaça de se dissolver toda disciplina e ordem que levou o fundador do Estado de Cingapura a combater o escaldante calor equatorial com todos os recursos da climatização. Até mesmo a posição das árvores e a projeção de sua sombra foram calculadas e corrigidas pessoalmente por Lee Kuan Yew, a fim de evitar um indesejado aquecimento do parque da cidade.
Vimos recordes de temperatura sendo ultrapassados não apenas nos trópicos, mas também na Europa e em outras latitudes temperadas. Os efeitos dessas mudanças climáticas globais sobre a ecologia são bastante conhecidos, sobretudo depois do lançamento do documentário Uma verdade inconveniente de Al Gore; portanto, neste momento, não precisam mais ser explorados. Além disso, nossa competência se refere inegavelmente à esfera cultural e não à ciência. Tampouco nos cabe traçar cenários catastróficos e sensacionalistas, que equiparam questões climáticas às guerras, ou dedicar-nos a banalizações que se empenham em promover um urso polar do zoológico de Berlim a arauto de uma difusa atmosfera de apocalipse. No presente programa coletivo a questão é muito mais “culturalizar” fenômenos climáticos, medindo a temperatura estética de uma nova sensação de vida. Pois as mudanças climáticas irão transformar não apenas nossos corpos, mas também nossa atitude em relação a eles e à percepção dos nossos sentidos.
No conto que escreveu em 1932, em Ibiza, Walter Benjamin descreve a tórrida temperatura do meio-dia naquela ilha mediterrânea: O andarilho está demasiado cansado para deter-se, e, à medida que perde o controle sobre seus pés, percebe como sua fantasia dele se soltou. O sol queima inclemente em suas costas. O cheiro de resina e tomilho impregna o ar, no qual, arfante, ele acredita asfixiar-se.
O andarilho da bucólica imagem de Benjamin não mais enxerga, apenas sente. Após a heliofilia, sobrevém a insolação.
O calor obriga até mesmo o tempo a mudar seu ritmo inexorável; ele passa mais imperceptível, tenaz, sem que se possa medi-lo.
As pérolas de suor na pele das sambistas brasileiras são um prenúncio do que o mundo tem pela frente em conseqüência das mudanças climáticas: o insustável avanço de áreas tropicais e o homem consumido por langor e sensualidade febris.
Tempo congelado
Apenas um continente, por enquanto, escapa desta sorte – a Antártida. Apesar de a temperatura lá também ter aumentado em cerca de 2º C nos últimos 30 anos, a média anual continua sendo -46º C . Esta é também a razão pela qual a Antártica − que há 170 milhões de anos se situava na latitude onde hoje fica a África do Sul, e fazia parte do supercontinente Gondwana, onde predominava um clima sensivelmente mais quente − nunca ter sido habitada pelo homem. Nem sequer ursos polares ali podem ser observados.
Na Antigüidade, os filósofos acreditavam que, por questões de simetria, no Hemisfério Sul haveria um contrapeso à massa continental existente no Hemisfério Norte. Até mesmo nos mapas de Mercator, do século XVI, verifica-se a existência de um grande continente no sul (Terra Australis Incognita), tido como um paraíso tropical. A intensa busca pela Antártida no século XIX guiava-se pela convicção de que o contato com o fim do mundo traria novos conhecimentos à mente humana. Somente no ano de 1820, cada um por si, mas na mesma época, Fabian von Bellingshausen, capitão alemão do Báltico, a serviço dos russos, e Nathaniel Palmer, caçador de focas americano, descobriram o continente branco. Mas ainda havia outros contemporâneos de respeito, entre eles Edgar Allan Poe, que conservavam a superstição de que no pólo Sul haveria uma abertura no globo por onde os viajantes poderiam chegar a um mundo mais civilizado, que se suspeitava existir sob a crosta terrestre.
Hoje em dia, trabalham na Antártida, nos seus cerca de 14 milhões de quilômetros quadrados que, somados, quase totalizam o tamanho do Brasil e da Europa juntos, quatro mil cientistas de todo o mundo – no inverno são apenas mil – distribuindo-se em 80 estações espalhadas pelo Continente para realizar suas pesquisas de fins pacíficos. O parco turismo ainda é ecologicamente aceitável.
Com o Tratado da Antártida (1959), que colocou “no gelo” qualquer pretensão à soberania territorial, produziu-se no auge da Guerra Fria um acordo exemplar que até hoje conserva importância fundamental na política internacional do meio ambiente e da paz.
Daí a Antártida ser o único continente em todo o mundo a desconhecer armas militares, exploração econômica e propriedade territorial; nem mesmo os abundantes recursos do solo podem ser extraídos: condições utópicas, portanto. Enquanto o resto do mundo é consumido por infindáveis conflitos, espoliação econômica e pretensões à propriedade de todos os tipos, a Antártida, esta clássica Terra de Ninguém, tem uma vocação mais elevada: não pertence a ninguém, portanto, é de todos.
Seus ciclos naturais estão, sem dúvida, intimamente entrelaçados com os nossos, e seu frágil ecossistema reage sensivelmente a distúrbios causados em outras partes do mundo. A Antártida funciona como um instrumento de avaliação da Terra. O escudo de gelo desta mítica região é como um grande arquivo onde está armazenada toda a história do clima mundial. A Antártida é o tempo congelado.
Ponto zero da cultura
Apesar de já ter sido afetada pelos pecados ambientais originais do resto do mundo, o continente do sul ainda se encontra em um estado de virgindade e superioridade. É a terra como era antes do pecado original e, talvez, a última grande promessa à humanidade depois que os trópicos perderam um pouco de sua harmonia paradisíaca.
Este ponto zero da cultura é perfeito para uma reflexão intelectual e artística sobre o mundo: vazio, quietude, isolamento, mas também pureza, clareza, paz, espiritualidade e desapego são algumas das categorias existenciais que poderiam ser temas de uma Antártida transcendental. Os artistas entram em ação aonde os cientistas e suas medições já não chegam, permitindo uma nova leitura, fresca, desse ponto nevrálgico da Terra.
Os artistas terão de lidar também com a cor branca, considerada uma não-cor pelos impressionistas, e que aos olhos de Kandinsky era um “muro frio e intransponível, indestrutível, tendendo ao infinito”, e um silêncio que subitamente poderia ser entendido. “É um nada jovial, ou melhor, um nada anterior ao início, anterior ao nascimento”.
Tal como o white cube das modernas galerias de arte impiedosamente deixa à mostra, com sua absoluta neutralidade, as fraquezas de uma obra de arte, o espaço branco, nu, da Antártida, desnuda as deficiências da ação humana.
A exposição
Propõe-se uma exposição de arte composta por obras do mundo todo: desde a Groenlândia e o Canadá até a Terra do Fogo, da Península Arábica à Austrália. Estas obras abordarão o relacionamento complexo entre homem, clima e meio ambiente. Fenômenos naturais como sol, chuva, calor, gelo, seca ou inundações sempre foram temas importantes na prática artística. Podemos mencionar neste contexto o culto ao sol dos Incas no Peru, o Deus da Chuva dos Aztecas no México, as estátuas Baule da África Ocidental que conjuram a chuva ou as pinturas do artista flamenco Brueghel que representam os lagos congelados dos Países Baixos, onde no séc. 17 houve uma era glacial. Os ritos de fertilidade que têm um impacto crucial em muitas civilizações pré modernas também dependem do clima e suas vicissitudes.
A arte contemporânea cada vez mais se interessa por este tópico. Armin Linke na Itália, faz pesquisa fotográfica no Pólo Norte como também nos Emirados Árabes. Thomas Struth e Axel Hütte fotografam as selvas do Peru e da Venezuela, Mark Dion busca objetos cotidianos na Amazônia. Lucy Horta da Argentina produziu um trabalho site specific na Artártida enquanto o brasileiro Caio Reisewitz mostra em fotografias de grande porte as atividades na plataforma P52 da Petrobras.
A arte não é análise científica mas uma abordagem estética que demonstra numa maneira mais sutil a interdependência entre natureza e ser humano. As obras antigas virão do Museu Etnológico de Berlim. Haverá um segmento especial dedicado a vestuário e têxteis, desde os casacos de pele de foca dos esquimós até o biquíni de Ipanema, como duas reações extremas aos climas da Terra.
As obras contemporâneas serão encomendadas para 30 artistas de nível internacional de todos os continentes.
Alfons Hug
Rio de Janeiro, dezembro de 2007
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