Fenomenologia sartreana...
Para acompanhar o imaginário de Marco Bin, em homenagem a Jean Paul Sartre, nada melhor do que uma imagem do fotógrafo Jeanloup Sieff em um Café parisiense, e do fotógrafo Robert Doisneau do qual vivenciou e registrou, como ninguém, vários Cafés da cidade de Paris e St Denis.

Robert Doisneau: Terrase de café, rue Boulard, Paris 14º - 1966

Robert Doisneau: Café a la tartine, porte de la Vilette, Paris 19º - 1953

Uma breve abordagem da fenomenologia sartreana
por Marco Bin
“A fenomenologia veio ensinar-nos que os estados são objetos, que um sentimento enquanto tal (um amor ou um ódio) é um objeto transcendente e não pode contrair-se na interioridade de uma consciência”.
J.P.Sartre
Para falar de Jean-Paul Sartre e da relevância de sua filosofia existencial ainda em nossos dias, não necessito abandonar este Café em que me encontro, pleno de pessoas que conversam, comem e aguardam o próximo momento. Diante de mim, uma jovem acaba de receber seu café; pega a colherinha e mexe suavemente o açúcar em seu café, sem pressa. Sobre o muxoxo das vozes abafadas, sobressai a música, um saxofone que me envolve, cujas intervenções alternam longos solos com breves e cortantes fraseados e, longe de se portar como um simples musak, aprofunda o sentimento de prazer em minha relação com o lugar.
Não há nenhum inconveniente na demora do garçom, ao contrário, isso me permite acompanhar o movimento, deleitando-me com minhas mediações subjetivas. Posso me ater ao esforço angustiante do garçom em atender as pessoas, ou aos ocupantes desta ou daquela mesa, uns animados com a conversa, outros concentrados bebericando ou comendo e outros solitários que lêem seus jornais e revistas, ou como a jovem a minha frente, que apenas mexe o açúcar de seu café. No grande cenário em movimento a minha volta, o spectrum barthiano, atenho-me a este ponto incisivo, o fulcro da animação total, o punctum que me atrai e me mobiliza. Desde o momento em que a envolvo em minha apreciação, ela desperta em mim novas questões: qual sua idade?, o que pensa enquanto mexe o café da xícara?, o que vai fazer em seguida? A jovem não se abala, cessa o movimento com a colherinha, abandona-a sobre o pires e leva a xícara à boca, para o primeiro gole de café. Observo essa sucessão de gestos não como uma seqüência de sensações, mas como qualidades sensíveis que emanam da jovem e são captadas pela minha intenção, pelo meu desejo em acompanhar seus gestos contínuos e singelos. É pela minha consciência intencional que a percebo como um todo, diante de mim. Eis a consciência formulada por Sartre, uma consciência que se projeta para o mundo, não havendo nada nela a não ser a intenção.
E uma vez sintonizado com a presença da jovem, passo a refletir sobre suas atitudes, sobre sua beleza, sobre seu possível jeito de ser... Ela se torna para mim um objeto, que avalio por suas expressões visíveis, e até onde puder manter essa “relação” silenciosa e distante, a preservarei como um objeto. Se ela se levantar e partir, perderei o contato presencial, mas me restarão as evidências de sua presença e os traços de nossa “relação”, daí porque não guardarei uma imagem da jovem – a consciência não é um receptáculo onde se guardam coisas – mas retomarei uma consciência imaginante da jovem.
Para Sartre, a consciência é intencional, suas experiências visam um sentido, um significado. E este significado se coloca para além do momento. Assim, minha vivência no Café me remete inevitavelmente a uma ação que se desdobrará rumo ao futuro. Opto por uma escolha e me comprometo com ela: posso me aproximar da jovem para uma conversa, como também posso levantar-me e ir ao cinema, ou posso continuar à espera do garçom, observando a agitação no Café. Tenho a liberdade de optar pelo projeto mais conveniente e assumi-lo, realizando-o. De qualquer forma, estarei me engajando em uma situação, estabelecendo uma relação com o mundo em que vivo.
Haverá sempre um recomeço: ao desprender-me de meu lugar no Café, estarei pronto para prosseguir minha relação com o outro, com o mundo em que vivo. Ao abandonar minhas elucubrações subjetivas, a jovem diante de mim deixa de fazer parte de meu projeto, para tornar-se uma referência em meu passado. Como ser contingente, lançado no mundo, vivencio o presente voltando-me para a próxima ação no futuro. A existência que sufoca Roquentin em A Náusea é a angústia da existência, e contra ela não há subterfúgios, sob o risco de se agir de má-fé. A angústia da existência me evidencia que estou sozinho e livre, me definindo a partir de meus atos e de minhas escolhas.
As experiências ordinárias vivenciadas nos Cafés e nos lugares públicos forneceram a Sartre muitos dos ingredientes para a construção de sua obra. Ao situar minha breve abordagem em um Café, nada mais desejei do que reverenciar a memória deste importante filósofo e escritor de nosso tempo.
“A fenomenologia veio ensinar-nos que os estados são objetos, que um sentimento enquanto tal (um amor ou um ódio) é um objeto transcendente e não pode contrair-se na interioridade de uma consciência”.
J.P.Sartre
Para falar de Jean-Paul Sartre e da relevância de sua filosofia existencial ainda em nossos dias, não necessito abandonar este Café em que me encontro, pleno de pessoas que conversam, comem e aguardam o próximo momento. Diante de mim, uma jovem acaba de receber seu café; pega a colherinha e mexe suavemente o açúcar em seu café, sem pressa. Sobre o muxoxo das vozes abafadas, sobressai a música, um saxofone que me envolve, cujas intervenções alternam longos solos com breves e cortantes fraseados e, longe de se portar como um simples musak, aprofunda o sentimento de prazer em minha relação com o lugar.
Não há nenhum inconveniente na demora do garçom, ao contrário, isso me permite acompanhar o movimento, deleitando-me com minhas mediações subjetivas. Posso me ater ao esforço angustiante do garçom em atender as pessoas, ou aos ocupantes desta ou daquela mesa, uns animados com a conversa, outros concentrados bebericando ou comendo e outros solitários que lêem seus jornais e revistas, ou como a jovem a minha frente, que apenas mexe o açúcar de seu café. No grande cenário em movimento a minha volta, o spectrum barthiano, atenho-me a este ponto incisivo, o fulcro da animação total, o punctum que me atrai e me mobiliza. Desde o momento em que a envolvo em minha apreciação, ela desperta em mim novas questões: qual sua idade?, o que pensa enquanto mexe o café da xícara?, o que vai fazer em seguida? A jovem não se abala, cessa o movimento com a colherinha, abandona-a sobre o pires e leva a xícara à boca, para o primeiro gole de café. Observo essa sucessão de gestos não como uma seqüência de sensações, mas como qualidades sensíveis que emanam da jovem e são captadas pela minha intenção, pelo meu desejo em acompanhar seus gestos contínuos e singelos. É pela minha consciência intencional que a percebo como um todo, diante de mim. Eis a consciência formulada por Sartre, uma consciência que se projeta para o mundo, não havendo nada nela a não ser a intenção.
E uma vez sintonizado com a presença da jovem, passo a refletir sobre suas atitudes, sobre sua beleza, sobre seu possível jeito de ser... Ela se torna para mim um objeto, que avalio por suas expressões visíveis, e até onde puder manter essa “relação” silenciosa e distante, a preservarei como um objeto. Se ela se levantar e partir, perderei o contato presencial, mas me restarão as evidências de sua presença e os traços de nossa “relação”, daí porque não guardarei uma imagem da jovem – a consciência não é um receptáculo onde se guardam coisas – mas retomarei uma consciência imaginante da jovem.
Para Sartre, a consciência é intencional, suas experiências visam um sentido, um significado. E este significado se coloca para além do momento. Assim, minha vivência no Café me remete inevitavelmente a uma ação que se desdobrará rumo ao futuro. Opto por uma escolha e me comprometo com ela: posso me aproximar da jovem para uma conversa, como também posso levantar-me e ir ao cinema, ou posso continuar à espera do garçom, observando a agitação no Café. Tenho a liberdade de optar pelo projeto mais conveniente e assumi-lo, realizando-o. De qualquer forma, estarei me engajando em uma situação, estabelecendo uma relação com o mundo em que vivo.
Haverá sempre um recomeço: ao desprender-me de meu lugar no Café, estarei pronto para prosseguir minha relação com o outro, com o mundo em que vivo. Ao abandonar minhas elucubrações subjetivas, a jovem diante de mim deixa de fazer parte de meu projeto, para tornar-se uma referência em meu passado. Como ser contingente, lançado no mundo, vivencio o presente voltando-me para a próxima ação no futuro. A existência que sufoca Roquentin em A Náusea é a angústia da existência, e contra ela não há subterfúgios, sob o risco de se agir de má-fé. A angústia da existência me evidencia que estou sozinho e livre, me definindo a partir de meus atos e de minhas escolhas.
As experiências ordinárias vivenciadas nos Cafés e nos lugares públicos forneceram a Sartre muitos dos ingredientes para a construção de sua obra. Ao situar minha breve abordagem em um Café, nada mais desejei do que reverenciar a memória deste importante filósofo e escritor de nosso tempo.

Robert Doisneau: (Baiser) place de l'Hotel de Ville, Paris 4º - 1950
Robert Doisneau: La stricte intimité, rue Marcelin Berthelot, Montrouge - 1945
Jeanloup Sieff: Café de Flore tôt le matin, 1975
14 Comments:
Ae gabi! Tá bem? Passei só pra dar uma olhada aqui no seu blog. Beijão
Texto e fotos absurdos...
Belo blog.
Um beijo.
Cheguei aqui pelo Vieirando. Adoro fotografia. Muito legal, mesmo. Parabéns, Gabriela!
Pedro
Muito legal a proposta, Gabi. Parabéns.
Olá, Gabi. Faço parte da comunidade do Orkut "Fotografia 35mm" e vim visitar seu blog. Gosto bastante dele, tem informações e fotos de grandes mestres da nossa tão adorada arte. Adorei ver aqui a fotografia "Baiser", de Doisneau, é uma das minhas favoritas desse mestre.
Bjos,
Rodrigo N.
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